sexta-feira, 29 de abril de 2022

Último retorno a 500 metros

Escrito em 31/03/2016

Aos 54 anos comecei a fazer o caminho de "volta". Até maio de 2015 eu ainda estava "indo"... Indo morar num dos apartamentos mais nobres de um dos bairros chiques de São Paulo, indo comprar uma roupa da moda, um carro automático. Claro que, para isso, durante o caminho de ida, fiz muitas horas extras no trabalho e muitos free lances que transformaram meus fins de semana em eternas segundas-feiras. Cheguei a ponto de não ter tempo para ir à praia curtir "aquele" apartamento na Riviera de São Lourenço (Bertioga), que exigiu de mim um enorme esforço para comprar. Até que um dia o destino brecou o meu caminho.

E eu estava chegando lá. Onde mesmo? Nem eu conseguia responder a essa pergunta. Imaginei que quando chegasse lá teria uma placa dizendo: "Parabéns, você conseguiu!". Antes dela, no entanto, avistei a seguinte placa: "Último retorno a 500 metros" e nela mesma dei meia volta. Mudei para uma casa de campo no interior de São Paulo (maneira chique de falar, mas fica mesmo na zona rural de Itatiba, no meio do mato). Dos fundos da casa é possível ver a mata onde tem macacos (bugios, pregos, saguis), saruês, quatis, corujas, tucanos, maritacas, pássaros mil e outros bichos que, até então, eu nunca tinha visto. É longe que só. Longe do prédio mais alto, do bairro mais chique e do shopping mais frequentado de São Paulo, bem como, longe das horas extras e da luta constante por um reconhecimento profissional.

Foto de Sandra Cristina Pedri. 

Agora tenho menos dinheiro, menos roupas da moda, menos festas para ir, mas tenho mais vida e, por incrível que possa parecer, mais tempo. E não é que meus familiares (que quando eu morava em São Paulo me visitavam raramente) agora vêm pra cá mais de uma vez por mês? Eu vejo o beija-flor no meu quintal, crianças andando de bicicleta sem risco de atropelamentos, rego as plantas do jardim, costuro, bordo, cozinho e faço peças de artesanato... 

Colho frutas frescas no pé e preparo geleias caseiras deliciosas, além de biscoitos e pães de dar água na boca. E meu marido? Ele se diverte praticando marcenaria e culinária usando muitos ingredientes que cultivamos em nosso quintal.

Aqui se chama "Parque da Fazenda" e tal qual em uma fazenda, vira e mexe esbarro em animais silvestres, em plantas exóticas, tenho tempo para ver o pôr do sol pintar o céu com cores lindas e a luz da lua iluminar o pomar. Se eu quiser, posso queimar folhas secas como incenso, preparar um chá com ervas colhidas na horta, deitar na rede da varanda para um cochilo, admirar as estrelas deitada na grama, ler com calma um livro ou as cartas do tarô e me sentir "poderosamente mágica". Aos finais de semana, converso com os vizinhos e, nas segundas-feiras, vou trabalhar contando as horas e minutos para voltar pra casa.

Aí me lembro do destino que colocou a placa "Último retorno a 500 metros" em meu caminho e acho que, nela, deveria ter um subtítulo: "Última chance para você salvar a sua vida!". Você, provavelmente, ainda está indo. Não se culpe. A culpa é de toda a mídia que cria necessidades onde elas não existem. Eu, por aqui, espero a sua visita para um chá da tarde com doces caseiros ao ar livre, porque sei que, mais dia menos dia, você também encontrará uma placa de "retorno" apontando o caminho de volta à vida. Só espero que você enxergue a placa e não a ignore.